Angela Negreiros (*)
Muitos
me perguntam o motivo pelo qual resolvi fazer o curso de pilotagem. Ainda
pré-adolescente, fui à cidade de Currais Novos, em companhia de meu pai, que
trabalhava na área de exportação da mina Brejuí, voando em um monomotor. Não
lembro o nome do piloto. Fiquei verdadeiramente deslumbrada com a paisagem que
se descortinava lá de cima, e com o fato de uma pessoa controlar aquela máquina
tão pequena e tão poderosa. Desde então, fiquei sonhando em um dia ser
aviadora.
A
realização do sonho, o sentido de aventura e o gosto de olhar o mundo do mais
alto, fizeram com que, ao completar 18 anos, me matriculasse na Escola de
Pilotagem, do Aeroclube do Rio Grande do Norte que, à época, funcionava em
Capim Macio. Precisei da autorização formal dos meus pais, em virtude de ser,
civilmente, menor de idade.
As
emoções que senti nos primeiros vôos de treinamento foram de uma alegria
indescritível. Nunca senti medo. Exatamente porque, olhando do mais alto, a
paisagem terrestre se desdobra em surpresas e encantamento. É uma beleza que a
gente descobre continuamente.
O
meu "solo", isto é, a primeira vez que voei sozinha, ainda como
aluna, foi o dia da grande emoção evocadora. Quando se tem, inicialmente o
comando da aeronave, sob seu inteiro controle e responsabilidade vive-se uma
experiência única. Ao retornar desse primeiro "solo", como era de
praxe, houve o "trote": os instrutores e colegas me deram um banho de
óleo queimado. A alegria foi maior que o desconforto. É interessante assinalar
que a alegria que senti ao "solar", foi muito maior mesmo de quando
fui distinguida como aluna laureada do curso de Direito da UFRN, tempos depois.
Acredito
ter voado umas trezentas ou mais horas, uma vez que freqüentei a escola por uns
doze anos, mas perdi o livrinho de registro de vôos. Solei o Paulistinha CAP-4
e o Piper-J3. Nunca voar para mim foi motivo de perigo ou amedrontamento.
Muitas vezes os instrutores ou colegas mais experientes iam fazer acrobacias e
me levavam de carona, geralmente num Fairchild (PT-19).
Acho
que pilotar um avião se adapta perfeitamente à mulher. E digo isso porque seus
comandos são muito mais suaves para serem utilizados do que mesmo os de um
carro. Na minha época, para as provas de conclusão do curso, éramos avaliados
por uma banca examinadora vinda do Departamento de Aviação Civil do Ministério
da Aeronáutica.
Fui
a terceira mulher potiguar a receber o brevê e, até agora, acho que a última.
As outras duas que me antecederam foram Lucy Garcia e D"Arc Saraiva
Silveira. Tive como instrutores José Limeira e Joel Monteiro, sendo a parte
teórica, que constava de sete matérias, ministrada pelo comandante Gualter
Gonçalves Lopes. Era diretor da Escola o piloto Aldo Medeiros de Paiva.
Guardo-os sempre na memória com muita saudade e carinho, assim como dos demais
com os quais convivi naquela época.
Os
colegas que concluíram o curso comigo, de uma turma que começou com vinte e
dois alunos, foram: Newton Pereira Rodrigues, Poty Lamartine (irmão do aviador
e escritor Pery Lamartine), José Marcos Pires, Luiz Leônidas Coutinho e Daniel
Alves de Oliveira.
Durante
o tempo em que freqüentei a Escola de Pilotagem, alguns fatos pitorescos
aconteceram. Mas, graças a Deus, sem maiores conseqüências. Nunca enfrentei
nenhuma "pane" e, sim, alguns perigos. Certa vez, pouco depois de
brevetada, ao voar com um aluno, por sinal filho do então Comandante da Base
Aérea, tive autorização para deixá-lo efetuar o pouso, uma vez que ele estava
nessa fase de treinamento. Entreguei-lhe os comandos do avião. No momento da
aproximação, ele fez todos os procedimentos para um "pouso normal".
Acontece que na reta final, resolveu fazer um "pouso de pista" ou
"comercial", o que exigia providências especiais, inclusive em
relação à intensidade dos ventos. Resultado: o avião pousou no final do segundo
terço da pista, o que nos levaria, inevitavelmente, de encontro a uma cerca de
arame farpado que delimitava a pista. Fui obrigada a tomar-lhe os comandos e
arremeter o avião que, por sorte, ultrapassou a cerca, alcançando altura. Fiz
nova aproximação e pousei. Bastante abalada, obviamente, pois poderíamos ter
perdido a vida. Quando descemos do avião, fui cumprimentada efusivamente pelos
colegas, que estavam a observar tudo na maior apreensão, temendo por um
desastre fatal.
Em
outra ocasião, levei minha irmã, Dóris, para um passeio por sobre a cidade e
praias. Houve um pouco de turbulência e o avião balançou muito. Ela teve tanto
medo que se abraçou comigo, quase impedindo que eu fizesse os procedimentos de
rotina. Felizmente, nada aconteceu, o que evidencia a grande sorte que me
acompanhou na minha experiência de aviadora.
Outro
fato inesquecível, quase trágico, aconteceu durante o transcorrer do curso, com
um colega chamado Dante. No dia do seu primeiro e único "vôo solo",
ele decolou, mas ficou com medo de aterrissar. Então, ficou a sobrevoar o campo
a uma altura razoável, sem coragem de pousar. Depois de algum tempo e sem ter,
logicamente, outra alternativa que não fosse aterrissar, resolveu fazê-lo, o
que aconteceu da maneira mais desastrada.
"Arredondou" o avião tão alto que o mesmo desceu como se fosse
um helicóptero. Depois de "pular" muito na pista, a pequena aeronave
fez um "cavalo-de-pau". Nessa ocasião, mesmo com vento de través,
Dante arremeteu o avião que, por muito pouco, não entrou no hangar, pois voava
em sua direção e a baixíssima altura, quase perdendo a sustentação. Conseguiu,
não sei como, passar por cima do hangar e, em seguida, fazer uma curva de
grande inclinação para livrar-se de uns eucaliptos, que existiam por trás do
hangar, alcançando altura novamente. Depois de passar mais um tempo sobrevoando
o campo, conseguiu realizar o segundo pouso, quase tão infeliz quanto o
primeiro. Resultado: desceu do avião completamente transtornado e desorientado,
o que o fez abandonar o curso nesse mesmo instante. Não houve o tradicional
"banho de óleo".
Há
outro episódio de que me recordo: No dia das comemorações de entrega dos brevês
aos seis integrantes da turma, cada brevetando teria que voar levando o
padrinho, no meu caso; e as madrinhas, nos demais. Aconteceu que me fizeram
convidar o brigadeiro comandante da Base Aérea de Natal a voar comigo. Uma
simples aviadora de "teco-teco", recém formada, levando sob seu
comando um brigadeiro do ar, com milhares de horas de vôo, era um fato
inusitado Por sinal, foi o dia em que fiz o pior pouso. Inegavelmente, como era
de se esperar, os nervos me traíram. Mas, depois, deu tudo certo, pois sempre
tive muita tranqüilidade e autocontrole para pilotar meus saudosos aviõezinhos.
Se
nos dias de hoje ainda causa admiração uma mulher vir a ser aviadora - na época
da chamada libertação dos tabus e preconceitos em relação ao sexo feminino,
quanto mais na época em que fiz o curso. Era um verdadeiro desafio,
inacreditável para muitos. Uma moça sair de casa para freqüentar um curso de
aviação e hangares, em meio ao machismo resistente e provinciano. Era um ato
sobretudo de coragem de ser. Por imposição do meu pai, para freqüentar o hangar
e as aulas teóricas era acompanhada sempre de uma irmã e mais uma senhora de
nossa vizinhança. Não podia ir sozinha. Contudo, toda etapa aviatória de tantos
anos no Aeroclube, voando semanalmente, trouxe-me uma experiência altamente
enriquecedora. Primeiro: eu me auto-afirmava perante um meio e ambiente que não
concediam liberdade à mulher. Segundo: só quem pilotou um avião comunga da
sensação de felicidade e quase não pode traduzir em palavras essa experiência.
Ali,
no espaço que nos cabe para voar, a gente convive - parece mesmo - com quase
outro espaço, outro tempo, outra dimensão. Daí, para quem já foi piloto, e por
um motivo ou outro, não prosseguiu, como é o meu caso, sente muitas saudades
daquelas horas, vividas no comando de um avião, mesmo que tenha sido de um
simples "teco-teco". A gente se sente possuída de uma liberdade
intraduzível, livre dos fatos e episódios pequenos do dia-a-dia, respirando
verdadeiramente outros ares. E tudo isso pela freqüente mudança de paisagens,
cada vez mais bonitas. Contudo, tudo isso exige muita disciplina e dedicação. A
máquina, frágil, ainda é mais poderosa do que nós.
Depois
de voar muitos espaços e sobrevoar as surpresas que, do alto, a beleza
empresta, fui ser Juíza de Direito, em tempo integral, para enfrentar os dramas
humanos - experiência que resultou em acreditar na vocação que se faz, não como
exemplo, mas lembrança de coragem e determinação para compreender e aceitar o
destino. Aceitá-lo não como prêmio, e o segredo de decifrá-lo, mas como vontade
de superar o ambiente provinciano, pequeno demais para qualquer vôo mais
ambicioso do que apenas sobreviver no quotidiano repetitivo e sem ambições
maiores.]
---
(*) Angela
Negreiros, natalense, juíza de direito, falecida nesta quarta-feira, 24, ontem.
O presente texto foi publicado em 08 de março de 2007.
+3
Titina: entrevista na Globo. |
Na telinha
Um
dos principais convidados para o “Encontro Com Fátima Bernardes” desta
quinta-feira, na Rede Globo, é a artista natalense Titina Medeiros, que brilhou
na novela “Cheias de Charme”, conquistou o troféu de “Atriz Revelação” do “Domingão
do Faustão” e já está se preparando para participar do elenco da nova versão de
“Saramandaia”.
Avenida das
Alagoas
Do
ano passado para este abril alguém mexeu na drenagem do trecho da avenida das
Alagoas, em Neópolis, próximo à BR 101, apensando-lhe uma lagoa pluvial capaz
de provocar muito calço hidráulico após vinte minutos de chuva.
Rede
Tentando
refazer a rede Cabugi de rádio, criada por seu pai, o legendário Aluizio, e
desfeita pela incompetência gerencial dos gerentes da sua geração com seu
sobrenome, o deputado Henrique Eduardo Alves, presidente da câmara federal e do
diretório potiguar do PMDB, está rearticulando seu retorno à rádio Difusora de
Mossoró, comandada pelo advogado Paulo Linhares. Este, a propósito, acaba de aceitar
seu convite para se filiar ao PMDB.
Postado às 01h32m de quinta-feira 130425.
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