quarta-feira, 24 de abril de 2013

Voei 12 anos nos céus de Natal


                                                                                                                               Angela Negreiros (*)
Muitos me perguntam o motivo pelo qual resolvi fazer o curso de pilotagem. Ainda pré-adolescente, fui à cidade de Currais Novos, em companhia de meu pai, que trabalhava na área de exportação da mina Brejuí, voando em um monomotor. Não lembro o nome do piloto. Fiquei verdadeiramente deslumbrada com a paisagem que se descortinava lá de cima, e com o fato de uma pessoa controlar aquela máquina tão pequena e tão poderosa. Desde então, fiquei sonhando em um dia ser aviadora.

A realização do sonho, o sentido de aventura e o gosto de olhar o mundo do mais alto, fizeram com que, ao completar 18 anos, me matriculasse na Escola de Pilotagem, do Aeroclube do Rio Grande do Norte que, à época, funcionava em Capim Macio. Precisei da autorização formal dos meus pais, em virtude de ser, civilmente, menor de idade.

As emoções que senti nos primeiros vôos de treinamento foram de uma alegria indescritível. Nunca senti medo. Exatamente porque, olhando do mais alto, a paisagem terrestre se desdobra em surpresas e encantamento. É uma beleza que a gente descobre continuamente.

O meu "solo", isto é, a primeira vez que voei sozinha, ainda como aluna, foi o dia da grande emoção evocadora. Quando se tem, inicialmente o comando da aeronave, sob seu inteiro controle e responsabilidade vive-se uma experiência única. Ao retornar desse primeiro "solo", como era de praxe, houve o "trote": os instrutores e colegas me deram um banho de óleo queimado. A alegria foi maior que o desconforto. É interessante assinalar que a alegria que senti ao "solar", foi muito maior mesmo de quando fui distinguida como aluna laureada do curso de Direito da UFRN, tempos depois.

Acredito ter voado umas trezentas ou mais horas, uma vez que freqüentei a escola por uns doze anos, mas perdi o livrinho de registro de vôos. Solei o Paulistinha CAP-4 e o Piper-J3. Nunca voar para mim foi motivo de perigo ou amedrontamento. Muitas vezes os instrutores ou colegas mais experientes iam fazer acrobacias e me levavam de carona, geralmente num Fairchild (PT-19).

Acho que pilotar um avião se adapta perfeitamente à mulher. E digo isso porque seus comandos são muito mais suaves para serem utilizados do que mesmo os de um carro. Na minha época, para as provas de conclusão do curso, éramos avaliados por uma banca examinadora vinda do Departamento de Aviação Civil do Ministério da Aeronáutica.

Fui a terceira mulher potiguar a receber o brevê e, até agora, acho que a última. As outras duas que me antecederam foram Lucy Garcia e D"Arc Saraiva Silveira. Tive como instrutores José Limeira e Joel Monteiro, sendo a parte teórica, que constava de sete matérias, ministrada pelo comandante Gualter Gonçalves Lopes. Era diretor da Escola o piloto Aldo Medeiros de Paiva. Guardo-os sempre na memória com muita saudade e carinho, assim como dos demais com os quais convivi naquela época.

Os colegas que concluíram o curso comigo, de uma turma que começou com vinte e dois alunos, foram: Newton Pereira Rodrigues, Poty Lamartine (irmão do aviador e escritor Pery Lamartine), José Marcos Pires, Luiz Leônidas Coutinho e Daniel Alves de Oliveira.

Durante o tempo em que freqüentei a Escola de Pilotagem, alguns fatos pitorescos aconteceram. Mas, graças a Deus, sem maiores conseqüências. Nunca enfrentei nenhuma "pane" e, sim, alguns perigos. Certa vez, pouco depois de brevetada, ao voar com um aluno, por sinal filho do então Comandante da Base Aérea, tive autorização para deixá-lo efetuar o pouso, uma vez que ele estava nessa fase de treinamento. Entreguei-lhe os comandos do avião. No momento da aproximação, ele fez todos os procedimentos para um "pouso normal". Acontece que na reta final, resolveu fazer um "pouso de pista" ou "comercial", o que exigia providências especiais, inclusive em relação à intensidade dos ventos. Resultado: o avião pousou no final do segundo terço da pista, o que nos levaria, inevitavelmente, de encontro a uma cerca de arame farpado que delimitava a pista. Fui obrigada a tomar-lhe os comandos e arremeter o avião que, por sorte, ultrapassou a cerca, alcançando altura. Fiz nova aproximação e pousei. Bastante abalada, obviamente, pois poderíamos ter perdido a vida. Quando descemos do avião, fui cumprimentada efusivamente pelos colegas, que estavam a observar tudo na maior apreensão, temendo por um desastre fatal.

Em outra ocasião, levei minha irmã, Dóris, para um passeio por sobre a cidade e praias. Houve um pouco de turbulência e o avião balançou muito. Ela teve tanto medo que se abraçou comigo, quase impedindo que eu fizesse os procedimentos de rotina. Felizmente, nada aconteceu, o que evidencia a grande sorte que me acompanhou na minha experiência de aviadora.

Outro fato inesquecível, quase trágico, aconteceu durante o transcorrer do curso, com um colega chamado Dante. No dia do seu primeiro e único "vôo solo", ele decolou, mas ficou com medo de aterrissar. Então, ficou a sobrevoar o campo a uma altura razoável, sem coragem de pousar. Depois de algum tempo e sem ter, logicamente, outra alternativa que não fosse aterrissar, resolveu fazê-lo, o que aconteceu da maneira mais desastrada.  "Arredondou" o avião tão alto que o mesmo desceu como se fosse um helicóptero. Depois de "pular" muito na pista, a pequena aeronave fez um "cavalo-de-pau". Nessa ocasião, mesmo com vento de través, Dante arremeteu o avião que, por muito pouco, não entrou no hangar, pois voava em sua direção e a baixíssima altura, quase perdendo a sustentação. Conseguiu, não sei como, passar por cima do hangar e, em seguida, fazer uma curva de grande inclinação para livrar-se de uns eucaliptos, que existiam por trás do hangar, alcançando altura novamente. Depois de passar mais um tempo sobrevoando o campo, conseguiu realizar o segundo pouso, quase tão infeliz quanto o primeiro. Resultado: desceu do avião completamente transtornado e desorientado, o que o fez abandonar o curso nesse mesmo instante. Não houve o tradicional "banho de óleo".

Há outro episódio de que me recordo: No dia das comemorações de entrega dos brevês aos seis integrantes da turma, cada brevetando teria que voar levando o padrinho, no meu caso; e as madrinhas, nos demais. Aconteceu que me fizeram convidar o brigadeiro comandante da Base Aérea de Natal a voar comigo. Uma simples aviadora de "teco-teco", recém formada, levando sob seu comando um brigadeiro do ar, com milhares de horas de vôo, era um fato inusitado Por sinal, foi o dia em que fiz o pior pouso. Inegavelmente, como era de se esperar, os nervos me traíram. Mas, depois, deu tudo certo, pois sempre tive muita tranqüilidade e autocontrole para pilotar meus saudosos aviõezinhos.

Se nos dias de hoje ainda causa admiração uma mulher vir a ser aviadora - na época da chamada libertação dos tabus e preconceitos em relação ao sexo feminino, quanto mais na época em que fiz o curso. Era um verdadeiro desafio, inacreditável para muitos. Uma moça sair de casa para freqüentar um curso de aviação e hangares, em meio ao machismo resistente e provinciano. Era um ato sobretudo de coragem de ser. Por imposição do meu pai, para freqüentar o hangar e as aulas teóricas era acompanhada sempre de uma irmã e mais uma senhora de nossa vizinhança. Não podia ir sozinha. Contudo, toda etapa aviatória de tantos anos no Aeroclube, voando semanalmente, trouxe-me uma experiência altamente enriquecedora. Primeiro: eu me auto-afirmava perante um meio e ambiente que não concediam liberdade à mulher. Segundo: só quem pilotou um avião comunga da sensação de felicidade e quase não pode traduzir em palavras essa experiência.

Ali, no espaço que nos cabe para voar, a gente convive - parece mesmo - com quase outro espaço, outro tempo, outra dimensão. Daí, para quem já foi piloto, e por um motivo ou outro, não prosseguiu, como é o meu caso, sente muitas saudades daquelas horas, vividas no comando de um avião, mesmo que tenha sido de um simples "teco-teco". A gente se sente possuída de uma liberdade intraduzível, livre dos fatos e episódios pequenos do dia-a-dia, respirando verdadeiramente outros ares. E tudo isso pela freqüente mudança de paisagens, cada vez mais bonitas. Contudo, tudo isso exige muita disciplina e dedicação. A máquina, frágil, ainda é mais poderosa do que nós.

Depois de voar muitos espaços e sobrevoar as surpresas que, do alto, a beleza empresta, fui ser Juíza de Direito, em tempo integral, para enfrentar os dramas humanos - experiência que resultou em acreditar na vocação que se faz, não como exemplo, mas lembrança de coragem e determinação para compreender e aceitar o destino. Aceitá-lo não como prêmio, e o segredo de decifrá-lo, mas como vontade de superar o ambiente provinciano, pequeno demais para qualquer vôo mais ambicioso do que apenas sobreviver no quotidiano repetitivo e sem ambições maiores.]

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(*) Angela Negreiros, natalense, juíza de direito, falecida nesta quarta-feira, 24, ontem. O presente texto foi publicado em 08 de março de 2007.
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Titina: entrevista na Globo.
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Um dos principais convidados para o “Encontro Com Fátima Bernardes” desta quinta-feira, na Rede Globo, é a artista natalense Titina Medeiros, que brilhou na novela “Cheias de Charme”, conquistou o troféu de “Atriz Revelação” do “Domingão do Faustão” e já está se preparando para participar do elenco da nova versão de “Saramandaia”.

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Do ano passado para este abril alguém mexeu na drenagem do trecho da avenida das Alagoas, em Neópolis, próximo à BR 101, apensando-lhe uma lagoa pluvial capaz de provocar muito calço hidráulico após vinte minutos de chuva.

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Postado às 01h32m de quinta-feira 130425.

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